Terceirização no MPCE: um teste de coerência. – ASSEMPECE | SINSEMPECE

Terceirização no MPCE: um teste de coerência.

O Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP concluiu na data de ontem (14/04/2015) o julgamento do PCA nº. 1000/2012-72 e determinou que o Procurador-Geral de Justiça do Estado do Ceará (PGJ), Alfredo Ricardo de Holanda Cavalcante Machado, substitua os trabalhadores terceirizados por servidores efetivos no prazo de 180 dias, tendo em vista a ocorrência de várias irregularidades na terceirização praticada no Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).

A terceirização constitui instrumento de precarização das relações de trabalho, sobretudo em razão da violação de direitos a exemplo da estabilidade do vínculo de emprego e da formação de carreiras. Por esse aspecto o instituto implica em violação aos direitos humanos ditos de segunda geração, os direitos sociais.

No serviço público a terceirização implica a substituição do critério do mérito próprio do concurso público por outros pouco ou nada republicanos, ensejando práticas clientelistas, fisiológicas e até nepóticas. Com efeito, a Constituição Federal condiciona o acesso aos cargos públicos à prévia aprovação em concurso, sendo a terceirização um engenhoso instrumento de burla ao princípio republicano do concurso público.

Por tais razões o Ministério Público do Estado do Ceará executa intenso trabalho de combate à terceirização irregular em prefeituras e outros órgãos estaduais, como se depreende de notícias publicadas no site oficial do MPCE (clique aqui). Entretanto, a terceirização ilícita no âmbito do MPCE é uma realidade que reclama mudanças por parte da administração superior da Instituição.

Já em abril do ano de 2013, durante inspeção no MPCE, com a finalidade de subsidiar o julgamento do Procedimento de Controle Administrativo nº. 1000/2012-72, o CNMP deu ênfase a um trabalho de verificação da legalidade na terceirização praticada na Instituição. Ao fim dos trabalhos inspecionais emitiu relatório apontando várias irregularidades (clique aqui e confira excertos do relatório no que tange à terceirização).

Adiante segue elencadas as irregularidades constatadas no relatório e comprovados pelo próprio documento do CNMP, bem como por outros meios de prova obtidos pela Associação dos Servidores do Ministério Público do Estado do Ceará (ASSEMPECE):

1. Existência de vínculo de pessoalidade e subordinação direta: a subordinação jurídica e a pessoalidade são elementos caracterizadores de uma relação de emprego, sendo vedada em sede de terceirização.

Nesse aspecto o CNMP constatou que inexiste preposto das empresas prestadoras de serviço a dirigir as atividades dos empregados terceirizados, que são controladas diretamente por agentes (Membros ou Servidores) do próprio MPCE, caracterizando subordinação jurídica.

O aspecto da pessoalidade restou verificado em razão da ingerência do MPCE na escolha dos empregados pela empresa tomadora, quando a Instituição indica pessoa determinada a ser contratado. Nesse aspecto a ASSEMPECE indicou e o CNMP constatou in loco que o MPCE, através de sua administração superior, atuava expressamente e diretamente na contratação de pessoal terceirizado, beneficiando determinadas pessoas (que eram contratadas), contrariando o brocado republicano pelo qual é vedado se fazer “cortesia com chapéu alheio”.

Confira aqui parte da documentação que dá conta da ingerência do PGJ na contratação de pessoal terceirizado.

2. Exercício de atividades em procedimentos investigatório: O Ministério Público na Constituição Federal de 1988 ganhou importância como órgão de investigação (criminal, civil e administrativa), sobretudo no que tange ao correto emprego de bens e verbas públicas.

Para instruir tais procedimentos investigatórios, o MP precisa de um quadro próprio e permanente de servidores, portanto titulares de cargos públicos, para que possa realizar, com qualidade, sua missão constitucional.

Ocorre que essa importante atividade de investigação está sendo realizada com o apoio de terceirizados, que não mantém vínculo com a Instituição (o vínculo contratual do empregado terceirizado é com a empresa prestadora e não com o MPCE) e não foram admitidos por concurso público.

Confira aqui documentos que dão conta de terceirizado secretariando procedimento administrativo e até inquérito civil público.

3. Redação de pareceres jurídicos: durante os trabalhos de inspeção o CNMP constatou que alguns terceirizados atuam na atividade fim da Instituição, confeccionando pareceres jurídicos e outras manifestações para processos judicias e com total acesso aos sistemas de inserção te tais manifestações.

Tal realidade constitui grave irregularidade porquanto a confecção de minutas de peças jurídicas constitui atribuição do cargo de analista ministerial, do qual se exige formação jurídica e aprovação em concurso público, quiçá de Promotor de Justiça. A atuação basilar do Ministério Público como Instituição essencial à função jurisdicional pressupõe a atuação processual, seja como autor ou como fiscal da lei, de modo essa atividade não pode ser executada por terceirizados, mesmo com a supervisão de Membro do MPCE.

Confira aqui a documentação relativa a essa irregularidade.

4. Realização de expedientes próprio dos Membros do MPCE: em razão do trabalho de combate à terceirização irregular no MPCE a ASSEMPECE constatou que há servidores terceirizados, que não mantém qualquer vínculo direto com a Instituição, assina correspondências oficiais.

Clique aqui e confira aqui a documentação pertinente.

5Realização de diligências em procedimentos investigatórios: a realização e diligências (notificações, inspeções, conduções coercitivas, etc.) , atividade essa que, de acordo com as disposições da Lei Estadual nº. 14.043/2007, são de atribuições do cargo de técnico ministerial.

Veja aqui a documentação pertinente.

6. Atendimento do posto no DECON: A ASSEMPECE também constatou que todo o atendimento do posto do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (DECON) no Aeroporto Internacional Pinto Martins é desempenhado por funcionários terceirizados, não havendo nenhum servidor efetivo lotado no referido local, conforme comprova a documentação recebida daquele órgão (clique aqui e confira).

7. Estudos de economicidade: não existem no âmbito do MPCE estudos que justifiquem a adoção da terceirização do ponto de vista da economicidade. Ao contrário, os valores dispendidos com terceirização na área da tecnologia da informação são maiores do àqueles que seriam necessários para criar cargos de Analista Ministerial – Ciências da Computação.

8. Aumento de Gastos com Terceirização: no período de 2009 a 2015, segundo dados do Sistema de Informações Orçamentárias e Financeiras (SIOF) da Secretaria de Planejamento do Estado do Ceará, saltaram de R$ 5.078.930,33 (cinco milhões, setenta e oito mil, novecentos e trinta reais e trinta e três centavos) para R$ 12.105.397,00 (doze milhões, cento e cinco mil, trezentos e noventa e sete reais), representando um incremento de 138% (cento e trinta e oito por cento) nas despesas com terceirização no MPCE.

Veja aqui os dados do SIOF.

9. Limites de Gasto com Pessoal: de uma forma geral o Procurador-Geral de Justiça recorre ao argumento de que não pode substituir os terceirizados por servidor efetivo em razão dos limites de gasto com pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Ocorre que tal argumento não corresponde à verdade dos fatos. Com efeito, comparando os gastos com pessoal do MPCE em 2014 – acrescido dos gastos incrementados em 2015, notadamente em razão da nomeação de Promotores e Servidores e revisão dos subsídios dos Membros – com a receita corrente liquida estimada para o ano de 2015 resta a conclusão de que existe a possibilidade de criação de pelo menos 150 (cento e cinquenta) cargos de servidores, substituindo os terceirizados, sem comprometer o limite prudencial da LRF.

Confira aqui dos dados e relatório de gestão fiscal do exercício de 2014. 

A melhoria da qualidade dos serviços prestados pelo MPCE ao povo cearense, bem como o fortalecimento da Instituição, passa pela estruturação de um quadro próprio e permanente de servidores admitidos por mérito através de concurso público, sendo que o tamanho de tal quadro deve ser condizente com a importância da missão constitucional do Ministério Público.

A sociedade cearense espera do MPCE, por seu Procurador-Geral de Justiça, uma postura de maior coerência entre o que a Instituição prega e exige de outros em relação ao que desenvolve em suas práticas internas.